Observatório da Pesca Artesanal de Cabo Verde
A razão principal para a existência de uma seção dedicada a documentos históricos sobre a atividade pesqueira do arquipélago de Cabo Verde diz respeito à falta de tratamento do tema na historiografia oficial do país.
Para além desse quadro marcante de subrepresentação, a gestão estatal da atividade falha em não incluir pescadores e peixeiras em seus processos decisórios mais importantes.
Diante de um cenário de escassez de pescado provocado por práticas indutriais nacionais e estrangeiras que se desdobram em um conflito socioambiental de grandes proporções, a comunidade artesanal pesqueira do arquipélago costuma ser bem enfática em seus posicionamentos.
A seguir, reproduzo a fala de um pescador artesanal do arquipélago que formula de maneira muito didática a situação atual da atividade.
"Eu penso que o primeiro concorrente do pescador artesanal é o estado de Cabo Verde, porque quando você faz um acordo internacional com barcos onde tem tecnologia muito avançada em relação ao povo de Cabo Verde, eu acho que nós estamos numa discrepância.
A nossa pesca é fundamentalmente tradicional e sustentável, mas quando você faz um acordo com países que em termos de tecnologia é muito, muito mais avançada em termos de captura, é claro que estás a colocar em causa a questão do pescado. Eu sou de uma geração onde não havia esse acordo. Havia pirataria, mas antigamente, eu sou daquele tempo em que a gente encontrava peixe mesmo na praia balneária. Muitos cardumes de peixe aqui, mas hoje em dia nada.
Por exemplo, mesmo aqui onde nós arrastamos os nossos botes, cavala era em grande quantidade. A gente ia, buscava o peixe e deixava ali porque não havia mercado de consumo, mas hoje em dia não, você consegue ver um cardume de cachorreta aqui na nossa baía que antigamente a gente escolhia peixe para trazer para casa.
Por exemplo, a gente preferia trazer a cavala, porque a cavala tinha mais saída em termo econômicos, mas hoje em dia não, você procura cachorreta, cavala, você não encontra nenhuma espécie, saindo daqui, por exemplo, logo na saída você encontrava cardumes e mais cardumes, no pesqueiro de Chadona, porque é uma banca…mas só que agora, mesmo na banca nós não encontramos cardumes. Uma das causas é acordo com a União Europeia. Fizeram isso com a Mauritânia e o atum dessa zona acabou.
Outro problema é a caça ao tubarão. Há barcos estrangeiros que caçam o tubarão e o tubarão é um dos principais responsáveis de trazer o peixe pra cá pois ele caça, por exemplo, os cardumes que estão nas grandes profundidades, ele caça e traz os cardumes pra perto e traz os cardumes para a costa e nós não temos técnicas para alto mar e nossas técnicas é para pescar na costa e quando há esses barcos que pescam no alto mar e muitas vezes também capturam o tubarão que é o principal responsável para trazer os cardumes para costa, é claro que estamos a sofrer muito com isso."
Diante dessas questões que são tão centrais para os pescadores, creio ser útil para o debate público, um mergulho no passado das pescas, para que possamos compreender como se chegou nessa situação no presente. Esse foi o exercício que busquei fazer na minha tese de doutorado e para isso me utilizei de toda a documentação histórica que encontrei nos arquivos públicos de Cabo Verde e que disponibilizo , na íntegra, nas seções abaixo.
Documentos referentes ao período colonial
Documentos produzidos no período da Primeira República (partido único)